domingo, 24 de março de 2024

AS TRÊS FORÇAS MALÉFICAS


            O alemão Walter Benjamin em sua astúcia filosófica, intuiu que, “O capitalismo deve ser visto como uma religião, isto é, o capitalismo está essencialmente a serviço da resolução das mesmas preocupações, aflições e inquietações a que outrora as assim chamadas religiões quiseram oferecer resposta”.[1]  As razões são diversas, mas, principalmente porque o sistema está impregnado nas culturas, nas quais predominam o culto e a louvação ao dinheiro, às práticas do sacrifício e a ideologia do falseamento dos sonhos.

            Visto pelo lado sensível e, portanto, estético, para o capitalismo e para a religião, todo dia é dia de graça. Agradecer a Deus pela vida e pelos ganhos. São os sentimentos do dever (obrigação e dívida) com o outro que mantém as atenções  pessoais voltadas para as obrigações. Acima de Deus não há nenhum poder, abaixo dele começa-se a fazer a classificação hierárquica e o dever da louvação ou da bajulação, porque assim são educadas as gerações. Portanto, nos dizeres alienantes não há como alcançar algo grandiosos no futuro sem apegar-se a Deus e ao dinheiro. O primeiro, como é intocável e, por isso indivisível, pertence a todos, porém quem o veste e o maquia são os mais poderosos; o segundo também está em todos os lugares, mas, reproduz-se somente nas mãos dos mesmos poderosos.

            Para inibir e aniquilar a consciência coletiva, em ambas as estruturas, do capital e do Estado, embora tudo se origine e se sustente socialmente, tanto no sagrado quanto no profano, vale o princípio do livre-arbítrio, da livre escolha e da privacidade individual. Desde a salvação até os investimentos econômicos, tudo tende para a concentração e a centralização do poder individual. Os pecados e as culpas são expiados nas confissões, as dívidas no pagamento dos juros.

            Sendo assim, no capitalismo, com a ajuda da religião, Deus assim como o dinheiro são postos acima de tudo, mas como disse o filósofo Nietzsche, “Deus está morto” e, para nós o capital está vivo. Nessa condição, não podendo agir sobre os seus matadores, Deus é uma ideologia falsificadora do real a serviço da manutenção das crenças de que a riqueza concentrada é uma benção e não trabalho humano concentrado.

            Por outro lado, sabemos que o capitalismo precisa da política, por isso organizou para si um Estado capaz de estruturar a sua própria defesa. Na religião manipulada, o discurso político se confunde com o discurso religioso e ambos convivem nos redutos sagrados tal qual o fazem nos espaços profanos. O Estado que subsidia os investimentos capitalistas, é o mesmo que subsidia as seitas religiosas, libera recursos para organizar falsos sanatórios de recuperação de viciados etc.

            Aqui chegamos ao ponto crítico. Embora não pareça, no sistema capitalista apesar dos louvores à democracia, reina entre nós o totalitarismo. Vivemos em sociedades ditatórias pelas imposições das leis tendencias do capital; do poder da concentração da riqueza; do direito da propriedade privada dos meios de produção; da ditadura do mercado e das pregações religiosas oportunistas, vindas da mesma matriz ideológica proposta pelo imperialismo imperante no mundo.

            A sensação de que somos livres e que Deus nos ama, sustenta-se na garantia da lei e da ordem com a ajuda da prática das normas morais, mas, a garantia da sobrevivência advém do dinheiro.  “Ir e vir”, é um movimento que pode ocorrer se a pessoa tem recursos. Se for branco e rico, terá maior facilidade; se for preto, indígena ou pobre, poderá fazer o mesmo percurso, mas passará por revistas policiais em vários pontos do caminho. Para os privilegiados sem Deus mas de posse do dinheiro, o direito de ir e vir é realizável; para os discriminados e mesmo com um pouco dos dois, muitas pessoas somente vão, mas ficam no meio do caminho da volta, caídos na rua.

            Nas doutrinas aproximadas (religiosa e capitalista), aprendemos que, para salvar a alma precisamos ir à Igreja nos dias sagrados, encontrar-nos com Deus ou com os seus intercessores conhecidos somente pelo nome e por algum milagre feito; para salvar a democracia devemos ir às urnas; votar para escolher os representantes que se impõem pelas promessas. São elas que unificam os participantes dos pleitos, independentemente a que lado pertencem. Vivemos de tal modo que, como na “morte de Deus”, matamos o sujeito da história, o cidadão e o lutador e a lutadora do povo, e nos convertemos em crentes e eleitores. Somos amados e odiados pela simbologia da cor com que nos vestimos.

            Convertidos os fiéis ao sistema, tornam-se defensores de ideias que desconhecem a origem e, se na religião, os aliados tendem a mandar para o inferno os desafetos, na política, para demonizarem o comunismo, os mandam para outros países que lutam para construírem a própria soberania. Nesses atos a ideologia totalitária emanada pelo sistema, encarna na intimidade de cada indivíduo tornando-o cada vez mais egoísta e alienado.

            É evidente que o capitalismo constitui o sistema bem montado, capaz de abrigar as diferentes culturas e, por isso também, os diferentes cultos. Sendo assim, ele depende do Estado e das seitas religiosas, como também das religiões oficiais quando o defendem integralmente e pregam contra a socialismo e o comunismo. É preciso superar o capitalismo se quisermos construir uma sociedade socialmente justa, igualitária e religiosamente solidária. Por isso, a luta deve ir na direção da superação dessas três forças combinadas: o capital, o Estado e as seitas religiosas.

            De acordo com esse entendimento, não basta participar da política, é preciso fazer política e, nesta incluir a formação da consciência crítica das pessoas que saibam fazer comparações entre Fé revolucionária e ideologia burguesa; o papel do dinheiro e a distribuição da riqueza; o poder do Estado capitalista com a possibilidade de organização do poder popular e, a vigência das seitas pela organização de associações religiosas voltadas para a fraternidade e o bem comum entre as pessoas

            O socialismo não será uma religião como é o capitalismo. Nele a Fé terá fundamentos conscientes e o livre-arbítrio estará vinculado aos direitos revolucionários. As ideologias falseadoras da verdade serão todas substituídas pelo conhecimento consciente e, ninguém será condenado ao inferno, porque, esse, como o capital e o Estado, deixará de existir.

                                                                       Ademar Bogo



[1] BENJAMIN, Walter. O capitalismo como religião. São Paulo: Boitempo, 2018

domingo, 10 de março de 2024

GENOCÍDIO É POUCO

                   

         A palavra “genocídio”, tem a sua primeira parte composta pelo vocábulo grego, “geno”. Grosso modo significa uma estrutura social formada por pessoas com vínculos sanguíneos e, o complemento, “cide” emerge do latim que quer dizer, matar. Incorporados esses termos à língua portuguesa, foram jungidos e passaram a significar uma só definição, correspondente às práticas de matar e exterminar uma parte ou o todo de um grupo social, cuja identidade étnica lhe é comum na cultura, na cooperação, nos valores, na religião, etc.

            Por outro lado, se revisarmos o conjunto de termos aproximados que representam ações comportamentais avessas à humanização, palavras como, “chacina” e “massacre” nos levam a identificar nos mesmos atos de extermínio coletivos de pessoas, características genocidas pois, às vítimas das matanças coletivas não é dado direito algum a se defenderem.

Realizadas em múltiplas situações, as ações encaixadas nos termos acima tomadas como genocídio, os massacres e chacinas, produzem na opinião pública cada vez menos impactos. A razão para isto é que nas explicações midiáticas as vítimas, propositalmente são classificadas como culpadas e os agressores sempre vistos como heróis. A ideologia capitalista, seja em Israel ou nas periferias das cidades brasileiras, transforma os crimes em virtudes e os abusos cometidos pelas forças oficiais, em direito à defesa. O sistema estruturado para matar já esconde o Ethos perverso do capitalismo em decadência, e também o caráter cada vez mais desajustado de governantes, mandantes e executores das ações de morte.

Conceituar as ações prolongadas de genocídio, chacina ou massacre, diante da evolução da barbárie é muito pouco, pois nas ações não se faz presente apenas o gesto de matar, acompanham essas desprezíveis expressões, outras atitudes adjetivadas que explicam a destemperança psicológica dos genocidas, mandantes e executores das matanças, em guerras declaradas ou nas invasões de comunidades pobremente habitadas por pessoas da mesma etnia. Portanto, não se trata de serem classificados como crimes comuns; são ações conscientes, pensadas e financiadas por governos, estados, grupos e indivíduos de caráter desumanizado, abomináveis pessoalmente, tanto quanto as ações que praticam.

 Ao analisarmos as diversas maleficências incorporadas ao uso da violência, como a “crueldade”, percebemos como os seus praticantes, além de eliminarem as vítimas pré-selecionadas, vão além e adentram para o sufocamento coletivo, avançando até o ponto da satisfação prazerosa de agredir e torturar, expandindo o sofrimento dos ofendidos para além da carne de cada corpo abatido, até alcançarem os descendentes étnicos e grupos consanguíneos inocentes.  

            Do mesmo modo as demonstrações de “perversidades” dos agressores vão além das ações; representam as atitudes praticadas por sujeitos de estrutura comportamental perversa. Por assim serem, os perversos intensificam o sofrimento e a dor em suas vítimas para extraírem dos atos de torturas, o maior prazer possível. Quando as perversidades tornam-se práticas políticas, é porque a inteligência das instituições incorporou a essência perversa e os agentes e forças das instituições, são autorizadas a elevarem o grau de sofrimento, humilhação e terror, ao grau do insuportável. Há um terrorismo de Estado sendo praticado por Israel motivada pela estrutura psíquica perversa de seus governantes.

            Dentre os promotores das práticas genocidas, destacam-se ainda os “Sanguinários”. São matadores oficiais identificados com o derramamento de sangue de suas vítimas. Saem cotidianamente a procura de alguém para matar. Alimentam o ódio com convicções sionistas, machistas, misóginas, racistas etc., contra as vítimas que se tornam alvos em série. Há pessoas, milicias e governos sanguinários que impõe a cultura da arma e educam para matar.

            Na mesma linha encontramos os matadores destrutivos, conhecidos como “ruinosos” (ruinosus), pois, além de matarem as pessoas provocam ruínas as habitações e estruturas físicas sociais como prédios, hospitais, escolas etc. De antemão a ordem é matar e quebrar, destruir, estragar e arrasar para tornar a vida dos sobreviventes um verdadeiro caos. Ao arrasarem um território invadido, propositalmente os agressores estendem a vingança contra todas as pessoas que ali habitam, desabrigando-as para que se sintam também culpadas e se intimidem para posteriormente não tentarem nenhuma reação. 

            Distintamente esses malfeitores também podem ser denominados de “desnaturados” por serem destituídos de sentimentos naturais, característicos dos seres humanos. Alguém que se desnatura, se distancia da harmonia cultural e passa a apresentar-se desrespeitosamente diante de todos os valores e princípios humanitários. O termo “desnaturalizado” também tem o mesmo sentido; representa alguém que perde a naturalidade tornando-se invasor e forasteiro em terra estranha.

Ao agir indiscriminadamente contra pessoas indefesas os promotores da violência são ainda classificados como “impiedosos”, característica dos sujeitos sem compaixão ou compadecimento com as pessoas que sofrem. Ao contrário tudo fazem para aumentarem o sofrimento alheio até que os seus interesses sejam alcançados. Geralmente as atitudes impiedosas são praticadas por indivíduos que julgam terem sido desrespeitados, surpreendidos e desmoralizados em sua prepotência pelas vítimas. Para o impiedoso vale a sua crença transformada em critério de justiça e parâmetro de interpretação das normas morais.

Na trajetória da violência vão se formando os “facínoras”. Denominamos assim os indivíduos fascinados e de relação direta com o fascismo. Quando um facínora age executando todas as ações expostas acima enquadra-se na classificação de homicida, quando formam grupos ou se abrigam na própria estrutura do Estado criam movimentos como o nazismo e o fascismo.  Sendo assim os facínoras se adaptam à barbárie, liderando e praticando ações orientadas pelas suas próprias leis. Não há direito algum a ser reivindicado pela vítima. O fascista fascinado é um facínora que transforma as suas vontades em ordens a serem cumpridas a qualquer custo, formando assim um mundo particular para satisfazer os seus desejos transviados.

Poderíamos tomar qualquer um todos os vocábulos acima e, certamente encontraremos no mundo pontos latentes para confirmar que assim é, mas, principalmente em Gaza na Palestina vemos algo que o Estado de Israel representa o que a civilização criou de pior depois do nazismo. A insistência em destruir as forças de oposição que combate pela liberdade de um povo tornou-se uma doença que tem o nome de sionismo. Mas não só. Os países aliados de Israel que fornecem armas para matar os palestinos, são também criminosos, facínoras e sanguinários. Da mesma forma o são os grupos nos países que defendem o “direito de Israel a se defender”, são imitadores e arremedos de carniceiros que se alimentam do ódio para crescerem e um dia virem a implantar as mesma práticas em nossos continentes.

Diante da matança generalizada genocídio é muito pouco, devemos chamar de barbárie e nos colocar em posição de luta pela superação do capitalismo. Somente o socialismo poderá pôr fim na violência civilizatória e tratar os desajustados com os métodos da valorização da vida e não da morte.

                                                                                                         Ademar Bogo

domingo, 25 de fevereiro de 2024

O PARTIDO DE NOVO TIPO

 

            Lenin ao cumprir pena desde 1897 na Sibéria, aproveitou para aprofundar os seus estudos. Naquele lugar isolado onde o frio chegava a 25º negativos, apropriado para a deportação de presos políticos, apesar de ser minimamente habitado, dificilmente alguém conseguiria sair por conta própria daquelas muralhas de gelo, porém não impedia de que houvesse certa liberdade interna.

            Tendo sido criado o Partido Operário Socialdemocrata da Rússia (POSDR) em 1898, embora todo comitê central tivesse sido preso no Congresso de fundação, Lenin, ausente e deportado,  já havia assimilado a teoria da organização política nos textos de Marx e Engels. Eles haviam escrito o Manifesto do Partido Comunista e organizado já duas Associações Internacionais. Isso ajudou a dar um salto para frente nas experiências já feitas pelas “Uniões de Luta”, movimentos reivindicatórios e criar uma nova forma de organização.

            Lenin após a execução de seu irmão em 1887, por ter cometido o atentado contra o tzar Alexandre III, sem sucesso, convicto de que o caminho a seguir precisava deixar para trás as formas terroristas e populistas de organização e, por isso passou a denominar a iniciativa de 1898 de “Partido de Novo Tipo”.

            Esse partido não deveria pautar-se por ações espontâneas e realizadas sem sustentação organizativa. O partido poderia ser constituído organicamente e funcionar permanentemente como um todo organizado e disciplinado. Para tanto, todos os seus membros precisavam respeitar e seguir o programa partidário.

            Os anos de prisão e deportação de Lenin ofereceram tempo suficiente para ele voltar a sua atenção para os estudos, principalmente sobre o desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Esse domínio esboçar o programa partidário com a clara intenção de apontar o caminho para a conquista do poder político.

            O respeito a todos os esforços anteriores foi destacado e, embora com todos os desvios e fraquezas, era a herança que os revolucionários do passado haviam deixado. Porém isso não significava aceitar tudo, por isso, uma série de textos elaborados por Lenin começou a circular. Um deles com o nome de “A que herança renunciamos?”, atacava as ideias iluministas  e reformistas, pois a teoria marxista apresentava-se como referência para direcionar os pensamentos e as ações revolucionárias.

            Ao final do cumprimento da pena na Sibéria, em 29 de janeiro de 1900 Lenin, na manhã daquele dia, embarcou em um trenó puxado por cavalos e partiu rumo a uma nova etapa de sua vida. Inicialmente vigiado pela polícia e proibido de ir a Moscou, procurou estabelecer contatos com a firme decisão de criar um jornal para divulgar as ideias e agregar, em torno dele, toda a militância com o objetivo de realizar o segundo congresso do partido, o que veio a ocorrer somente no ano de 1903. Após seis meses de perseguição, Lenin preferiu exilar-se na Europa e passando de pais em país, de lá orientou a política de organização.

            Com a criação do jornal Iskra (Fagulha) em Leipisig em 1901 na Alemanha, por ser clandestino precisou ser impresso também no exterior. Foi por meio dele que todas a discussões passaram a ser orientadas principalmente em preparação ao “Segundo Congresso”, orientado pelos escritos diversos, com destaque para dois textos importantes de Lenin: “Por onde começar?” (1901) e “Que fazer?” (1902).

            A preocupação com os passos certos a serem dados na organização política levou a muitos embates e disputas, isto porque, não havia nenhuma experiência vitoriosa e tudo precisa ser inventado. A luta contra as ideias divisionistas e de influência burguesa era intensa. Por isso uma das tarefas fundamentais do partido era a educação política e a formação da consciência revolucionária. O desejo era criar um novo tipo de militante que se diferencia-se do indivíduo burocrático, mas que se parecesse com “o tribuno popular”, ou seja, precisam treinar a juventude para as discussões públicas, principalmente na capacidade da eloquência dos discursos para realizarem as “revelações” das verdades obscurecidas pelos interesses burgueses.

            Os pseudônimos como, Lenin, Stalin, Trotski, passaram a ser de uso necessário para todos os membros do partido poderem atuar clandestinamente. Com isso, o partido não tinha “cara pública” a não ser a suas ideias em circulação.

            Antes da Realização do Segundo Congresso, iniciado em 17 de julho de 1903, em Bruxelas, e que, devido a perseguição da política belga, tiveram que transferir as discussões para Londres, na Inglaterra, Lenin ainda escreveu um texto “Aos pobres do campo”, tendo em vista a sua visão de que o partido deveria jungir as classes operária e camponesa e arrastar atrás delas a maioria da população.

            Do Segundo Congresso participaram 43 delegados representantes de 26 organizações. Lenin foi escolhido para ser um tipo de “secretário” das comissões do Congresso, cujas anotações serviram para, posteriormente ele fazer uma profunda análise das discussões e publicá-las como uma verdadeira crítica documental no livro conhecido como “Um passo atrás, dois passos à frente”.

            As disputas mais ferrenhas deram-se em torno da aprovação dos estatutos e, ao contrário do que imaginou Lenin, o partido dividiu-se em duas frações: Os bolcheviques (maioria) e os mencheviques (minoria). Ambas permaneceram até o triunfo da revolução em 1917 com a supremacia dos primeiros.

            Para além da História, interessa-nos mais aqui entender a importância dada ao partido político como instrumento fundamental para a organização e direção das lutas. Essa crença de que só poderia haver movimento revolucionário com uma organização de vanguarda revolucionária, foi fundamental para que o processo culminasse com a insurreição e a tomada do poder político, vislumbrado desde o início.

            O partido não pretendeu inibir nem concorrer com a organização sindical. A clareza de que as tarefas eram diferenciadas, permitiu orientar a militância para que as lutas reivindicatórias fossem realizadas abertamente e os enfrentamentos políticos revolucionários, clandestinos. Nesse sentido, a luta econômica não poderia dirigir ou pautar a política, desta, o partido político deveria ser o dirigente se fosse constituído por militantes conscientes e capazes de formularem métodos de ação diferenciados e eficientes.

            A Revolução russa, com toda sua trajetória conflituosa, mas vitoriosa em 1917, foi a primeira demonstração de que uma Revolução só é possível se houver um comando fortemente organizado, com capacidade consciente de dirigir, convencer e organizar a maioria da população para tomar o poder, caso contrário, os processos se derrotam pelo próprio esgotamento.

            A principal lição a extrairmos desse processo é que, na luta revolucionária devemos pretender alcançar o máximo e não o mínimo, isto porque, o máximo guarda dentro de si os objetivos inegociáveis. Para atingir o mínimo, muitas vezes podemos ser maleáveis e tolerantes nas negociações com os inimigos; para atingir o máximo é preciso ir às profundezas da coerência e não vacilar diante dos perigos.

                                                                              Ademar Bogo

domingo, 18 de fevereiro de 2024

EM BUSCA DE OUTRO CAMINHO

 

                 Em memória dos cem anos de sua morte, este ano de 2024 será todo ele dedicado a Vladimir Ilich Lenin. Não se trata de render culto a um grande líder como se a história tivesse dependido apenas de um indivíduo para ser confirmada como vitoriosa; embora seja verdadeiro afirmar que pela sua tenacidade, os indivíduos, com suas descobertas e inventos direcionam os destinos da humanidade, sempre há uma ligação e dependência de toda a social.

Lenin foi um militante convicto de que a realidade socioeconômica e política russa deveria ser mudada. Aprendeu ainda na adolescência o que era a exploração econômica e a opressão política, quando o irmão mais velho, Alexandre Ulianov, o qual lhe apresentou os escritos de Karl Marx, portanto, aprendeu a interpretar as contradições sociais, independente de outras influências, religiosas ou reformistas, mas com o uso direto do Materialismo Histórico.

A presença do irmão na formação de Lenin, além de teórica e moral revolucionária, também se deu pelo exemplo intelectual e político. A capacidade de formulação e elaboração de Alexandre chamou a atenção dos professores na Universidade de Petersburgo. Já nos primeiros meses de aula, no curso de zoologia e química sua inteligência ganhava destaque. Porém em 1º de março de 1887, a notícia de detenção do rapaz, por ter participado de um atentado contra o tzar Alexandre III, abalou todas as expectativas.  A prisão lhe rendeu a condenação à pena máxima e, em maio do mesmo ano, com 21 anos de idade, Alexandre foi executado.

Lenin com apenas 17 anos presenciou o julgamento do irmão e, ao ouvir as argumentações condenatórias, percebeu os vários entraves e impossibilidade de fazer política por meio dos dois agrupamentos clandestinos em vigor: os populistas, mais intelectualizados que se ligavam aos camponeses e, os terroristas, mais radicalizados que se guiavam pela tática de assassinar as autoridades. Propenso a estudar Direito e pelas evidências equivocadas na opção política do irmão, deu-se conta Lenin e sentenciou como conclusão pessoal: “Não é esse o caminho que devemos seguir”.

Mas qual seria o caminho? Vigiado pela polícia, primeiro, no ano do enforcamento do irmão teve dificuldades para ser aceito na universidade de Direito e, segundo, após ter conseguido, em dezembro do mesmo ano de 1887, envolveu-se em um protesto de estudantes contra o regulamento da universidade. A repressão foi exemplar, Lenin, além de ser expulso da Universidade, também foi proibido de viver naquela cidade de Kazan e foi deportado para a aldeia de Kokúshkino, lugar onde se encontrava Ana a irmã mais velha que havia sido condenada por ter participado do mesmo atentado contra o tzar.

Essa deportação para uma aldeia interiorana e, passando a viver com os camponeses pobres, Lenin reviveu as façanhas de seu pai que, como inspetor de escolas primárias, após longos períodos de ausência retornava e narrava para a família, os apertos e fugas das perseguições dos grandes proprietários de terra. Dessa forma, embora sendo um jovem estudante, interessou-se pelos problemas agrários e se predispôs a estudá-los.

Nas obras completas de Lenin, data de 1893 o primeiro longo estudo manuscrito feito sobre o livro de V. E. Postnikov, funcionário do Departamento de Terras do Fisco da província de Táurida. A profundidade da análise e a veracidade dos dados, permitiu a Lenin, compreender como estava estruturada a agricultura, as formas de trabalho e os dilemas existentes entre os camponeses pobres. Ao mesmo tempo que continuava os estudos sobre as obras de Karl Marx e Friedrich Engels, das quais destaca-se “O capital: crítica da economia política”, investiu no mesmo ano, com 23 anos de idade em outro ensaio, “Sobre a chamada questão dos mercados”, perguntando-se se podia na Rússia desenvolver-se o capitalismo quando as grandes massas eram empobrecidas cada vez mais?

Nos anos seguintes enquanto lutava para prestar exames e concluir o curso de Direito, escreveu ainda sobre “Quem são os amigos do povo e como lutam contra os socialdemocratas”, em resposta a diversos artigos que circulavam conta a teoria marxista e, outro, “O conteúdo econômico do populismo”. Além de tecer comentários sobre as obras de Marx, traduziu, em 1892 para o russo o “Manifesto do partido comunista”.

No ano de 1895, apesar da vigilância policial decidiu mudar-se para Petersburgo, um grande centro operário e ali passou a participar de círculos de reuniões e viajou para alguns países da Europa em busca de contatos e cópias da literatura marxista. Na França, em contato com Plekanov, um velho militante marxista exilado, juntos criaram uma coletânea de textos para ser lida pelos operários russos.

No final de 1895 com bastante esforço as diversas visões nos diferentes círculos operário decidiram criar a “União de luta pela libertação da classe operária”. De imediato editaram o jornal “A causa operária”, mas, no fechamento da primeira edição Lenin e os demais editores foram presos, posteriormente condenados e, em 1897 foram enviados  para cumprir três anos de pena na Sibéria, lugar de difícil retorno.

De volta ao campo, deparou-se com a pobreza extrema das aldeias. Lenin retomou os estudos e, desta vez, escreveu um grande e completo tratado, concluído em 1899, com o nome “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, dando conta de todas as contradições concretas e diferenças de concepções teóricas.

Em 1898 chegou à mesma aldeia onde Lenin cumpria pena, sua noiva Nadjda Krupskaia, presa também por conspiração contra o tsar e, ao informar que em março daquele ano, na reunião para criar o partido político, os nove delegados foram presos enquanto realizavam o congresso de fundação. Imediatamente Lenin iniciou a preparar os documentos para a realização do segundo congresso, realizado com sucesso em 1903.

Em síntese, devemos concluir dessa primeira rememoração, que os indivíduos têm um papel na história, mas ele dependem das escolhas a serem feitas e, além da clareza do caminho que se quer seguir e onde chegar, é importante conhecer a realidade, como ela é para transformá-la em como se deseja tê-la.

A teoria revolucionária abrange todo o conhecimento da realidade em todos os seus aspectos. É sobre essa realidade conhecida que se coloca o movimento revolucionário, daí é muito fácil diferenciar o que é “burocracia democrática” e o “processo revolucionário”: enquanto a primeira administra para manter tudo como está, a segunda revoluciona o como está, para fazer ficar tudo como se deseja.

O estudo, não importa onde seja elaborado é fundamental e, ao mesmo tempo a organização é imprescindível. Essas duas forças, somadas à coerência política levam a dar um novo rumo para a história de cada país.

                                                           Ademar Bogo

domingo, 28 de janeiro de 2024

COMBATER O LEGALISMO E O ESPONTANEÍSMO


            Há duas ilusões mortais quando se trata da prática política: o legalismo institucional e o espontaneísmo ingênuo que leva aos ensaios de reações ao nível das reivindicações pontuais pautadas pelas necessidades econômicas. O filósofo Georg Lukács ao escrever as suas “Observações metodológicas sobre a questão da organização”, quis esclarecer, o porquê de certos comportamentos das organizações dos trabalhadores nos momentos de crise do capitalismo, e não encontrou senão as limitações e as deficiências do proletariado, conformadas com os “sistemas das leis”.

            Nesse emaranhado de contradições os procedimentos continuam seguindo a dinâmica da economia capitalista e acabam por repetir ações espontâneas de massa, sem qualquer efeito superador da longa situação pré-revolucionária, que mal se sabe porque se luta, ficando  os esforços empregados no nível da defesa, segundo cada ação desencadeada com objetivo apenas econômico.

            Segundo Lukács, “A espontaneidade de um movimento é apenas a expressão subjetiva, no âmbito da psicologia das massas, da sua determinação pelas leis econômicas”.[1] O Pior disso tudo, é que, a própria natureza dessas reações tem um ciclo de sobrevivência que se esvazia como acontece com o gás hélio do balão que, após fazê-lo subir, vai se enfraquecendo pelo fim do gás responsável pela combustão, então ele cai e, as condições desfavoráveis torna quase impossível voltar a fazê-lo subir.

            Temos, portanto, os dois polos explicitadores da decadência política de forças organizadas quando, por algum tempo parecem ter encontrado o ponto da reação contra as demandas impostas pela conjuntura ou por alguma ameaça destrutiva dos direitos adquiridos, mas não evoluem no que diz respeito à imposição de derrotas à classe dominante. Os dirigentes adeptos do método espontâneo de propor ações repetidas a cada início de ano, raramente se dão conta de que as táticas utilizadas para atingir os objetivos limitados, vão perdendo a qauldiade e a força.

            Por outro lado, o enfraquecimento dos movimentos espontâneos e dos próprios partidos políticos aliados, se derrotam na medida em que as diretrizes para orientar as diversas ações ficam previstas ou impedidas pelas leis. A grande derrota das forças que usam métodos espontâneos, ou seja, mobilizam-se para reivindicar apenas, é confiar que os políticos aliados usarão o Estado e a governabilidade a seu favor e, os governantes ao desfilarem o assistencialismo público, orgulham-se por darem o peixe sem ensinarem os famintos a pescar ou responsabilizá-los a criar o próprio peixe.

            No Brasil vivemos este enfraquecimento da energia desse “balão de ensaio”, feito pelas forças de esquerda para ajudar os pobres a não desrespeitar nem invadir o espaço das forças da direita. Desse modo, o balão amarrado com uma corda a um poste sobe uma pequena altura, e quando acaba o gás, cai em cima daqueles que, ao invés de cortarem a corda para fazê-lo ganhar as alturas, apenas batem palmas e gritam euforicamente para as autoridades  que os iludem.

            Esses ciclos de reações comedidas podem durar tempo. Há movimentos que envelhecem e, aparentemente continuam a torcer pelos bons resultados e a encenar reações sem muitos resultados. As vezes mudam as exigências e, os governantes aliados, naquilo que não lhe é controverso, nem haverá cobrança das forças opostas, liberam recursos para algumas incursões pouco ofensivas. Mas, a luta de classes, mais consequente e combativa para empurrar as forças opostas para trás, não se desenvolve.

            Se por um lado, o espontaneísmo pela sua inconsistência de método e, acima de tudo, pela incapacidade intelectual de formular teoricamente novas diretrizes para, nem que seja “acumular forças” e, por outro lado, o legalismo institucional contribuindo para esgotar o próprio espontaneísmo, na medida que, não desafia essas forças a lutarem com maior radicalidade e vigor, ou pior ainda, no caso do movimento de massas, coopta as consciências dos mais pobres com políticas públicas, impõem como resultado esvaziamento do potencial para a renovação das massas para o próprio movimento espontânea. O dado de que atualmente mais de 21milhões de famílias (quase 100 milhões de pessoas) recebem recursos do Programa Bolsa Família, é importante toma-lo para analisar por que em um país com esse grau acentuado de pessoas que passam fome, não há movimento popular atuante e, os movimentos mais antigos do campo e da cidade não conseguem renovar as suas bases?

            A conclusão pode ser rasa, mas não há dúvidas de que a aliança voluntariosa estabelecida entre o legalismo institucional e o espontaneísmo ingênuo dos poucos movimentos populares, sem programa consequente ainda em ação, são as duas causas pelo arrefecimento das lutas e da paralização da capacidade de crítica.

            O espontaneísmo não se combate com os desvios das reivindicações das circunstâncias atuais para direcionar os esforços a algo que está em moda que é o combate ao aquecimento global. A consequência das ações está na avaliação do mal que elas causam à classe dominante e não naquilo que apenas a beneficia.

            Mais do que nunca é preciso combinar as ações que, atraiam por meio das lutas espontâneas as massas que ainda não lutam, e elaborar e empreender a estratégia da ofensiva ativa, em vista de atacar as forças dominantes, impondo-lhes significativas derrotas para que o poder não seja uma utopia distante, mas um exercício de confronto e de vitória contra a hegemonia dominante.

                                                                       Ademar Bogo



[1] LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: Estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 542.

domingo, 14 de janeiro de 2024

DECIDIR-SE PELA OFENSIVA


            Ninguém melhor que o revolucionário Mao Tse-Tung, explicitou o que significam as categorias “defensiva” e “ofensiva”. Para ele, a “defesa passiva” caracterizava-se como uma pseudodefesa. “Só a defesa ativa constitui uma verdadeira defesa, defesa com o fim de contra-atacar e passar à ofensiva”.[1]

            As duras críticas à concepção da “defensiva passiva”, elaboradas por Mao em 1936, na segunda fase da luta revolucionária chinesa, iniciada em 1924, levaram o Partido Comunista Chinês a ter de redefinir as táticas, principalmente porque a iminência da invasão japonesa, ocorrida em 1937 e logo em seguida, ter iniciado a Segunda Guerra Mundial (1939), era preciso partir para a ofensiva para sair da situação inofensiva do Exército Vermelho.

            Não vem ao caso discutir o longo texto: “Problemas estratégicos da guerra revolucionária na China”, exposto em cinco capítulos, interessa-nos aqui, tomar como referência as categorias postas como parâmetros, para que possamos observar a nossa situação histórica e combater alguns mitos produzidos pelo próprio comodismo das lideranças atuais.

            Há um consenso em todas as análises de conjuntura de que o capitalismo está em crise e que a classe trabalhadora e as massas populares estão paralisadas, caracterizando este processo como “refluxo”, termo mal-empregado para justificar o imobilismo das lutas.

            A falta de elaboração teórica sobre as concepções e posicionamento das forças leva ao comprometimento das poucas iniciativas de enfrentamento, isto porque, a única tática visível e abraçada por todas as forças, refere-se às disputas eleitorais. Não desprezemos tal esforço, imaginando que essa iniciativa não possa ser um dos pontos de enfrentamentos, mas, tomemos o processo eleitoral como referência de negação dos próprios argumentos expostos pela teoria do “refluxo”.

            O conteúdo da categoria da “defesa passiva”, exposto por Mao Tse-tung, revela que essa concepção direitista, se deve ao amedrontamento dos dirigentes diante do adversário, como se ele fosse um tigre exterminador; por isso, a única saída vista por eles, era defenderem-se, despistando-o sem atraí-lo para cercá-lo e aniquilá-lo.

            É esse amedrontamento que vem sendo usado para manter o pacifismo legalista, em toda a América Latina, em torno da ideia de que o “inimigo pode voltar”, por isso, segundo essa visão,  é preciso fortalecer as trancas dos palácios pois eles representam as moradas seguras para a sobrevivência das forças de esquerda. O “pacifismo defensivo”, instalou-se como uma enfermidade pandêmica nas consciências das lideranças partidárias em todo o continente. Trancadas no interior dessa tática, as massas são liberadas a saírem, cuidadosamente, apenas para os comícios e os festejos religiosos. Na maior parte do tempo ficam jogas à própria sorte ou alimentadas com as migalhas das políticas públicas.

            A crença de que ao derrotar o inimigo pelo voto e ter entregado a chave da governabilidade a uma pessoa de confiança dos setores progressistas pode-se respirar aliviados porque, por um tempo o “tigre” ficará distante e poderá inclusive ser perseguido por algum franco atirador do poder judiciário. Mal querem saber se esse agente irá atirar com munição de borracha para apenas afastar por algum tempo a fera faminta, das redondezas do poder, sem evitar que ela logo apareça ainda com maior simpatia.

            É importante refletir sobre essa posição, porque, se a tática da “defensiva passiva” faz bem aos setores mais abastados, principalmente porque ela ajuda a manter a ordem, significa que as organizações e os movimentos empenhados nessa implementação, colocam-se a serviço da classe dominante, enquanto esta dedica-se a engordar o tigre para que ele volte com saúde e vigor.

            Por que não há “refluxo” nas manifestações religiosas, nas festas carnavalescas, paradas de protestos temáticos, eventos musicais e, nas campanhas eleitorais? Evidentemente se pode apresentar muitas justificativas, principalmente se elas forem comparadas com as lutas. No entanto, não faz mal nenhum lembrar que são as relações materiais de sobrevivência que primeiramente movem as pessoas; se assim não entendermos deveremos passar a defender que, para a subsistência, cada indivíduo deve lutar por si mesmo, mas nos aspectos religiosos, festivos e comemorativos e eleitorais buscaremos as coletividades.

            O inverso a esse posicionamento pacifista ocorrerá se a categoria da “ofensiva” passar a permear o debate, as elaborações e as ações das massas populares. Aqui, poderíamos retomar todos os bordões postos como expressões teóricas, como este de Lenin escrito em seu livro “Que fazer?” de 1902, dando conta que: “Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”. Como também, podemos deduzir e fazer surgir outras, como: “Sem organização revolucionária não há lutas revolucionárias”; ou “Sem métodos revolucionários, não há práticas revolucionárias”; ou ainda, “Sem lideranças revolucionárias não há ações nem eventos revolucionários”.

            Sem cair no desvio do vanguardismo, devemos considerar que as ofensivas substituem o pacifismo quando as pessoas conscientes tomam a frente e apontam o caminho dos enfrentamentos. Quem eram e o que fizeram as duas dezenas de bolcheviques russos na cisão do partido no Congresso de 1903? E a iniciativa cubana? Com uma dezena de guerrilheiros deram o impulso para a grande revolução vitoriosa de 1 de janeiro de 1959. E na atualidade,  na Palestina com o Hamas? Estimam que possui cerca de 20 mil militantes, uma insignificância perante o poderio militar de Israel, Estados Unidos da América e Europa que os ataca.

            Diante disso, a nossa posição é de que não devemos copiar formas de lutas nem do passado e nem do presente; cada povo tem a liberdade de criar os meios e tomar as iniciativas mais acertadas para enfrentar os seus inimigos. No entanto, a prática de outros povos alerta e, principalmente, ensina a considerar que a “defensiva passiva” não é o caminho mais correto, quando os inimigos, temporariamente perdem apenas os cargos e não o poder.

            Podemos concluir que, se há “refluxo” não é poque as massas não querem lutar, mas, certamente porque não sabem contra quem devem lutar! A lenda do biombo da democracia representativa que protege do tigre faminto os defensores da “defensiva passiva”, é a maior mentira contada pela direita para a esquerda. Na hora que ele for derrubado, atrás estarão os teóricos e intelectuais brancos; os políticos obedientes e os setores que conseguem pagar pelos direitos que os pobres reivindicam sem sucesso da Constituição.

            Sem ofensiva contra o capital e o Estado, não há política revolucionária, é importante decidir-se logo antes que o tigre volte atacar as urnas.

                                                                                                     Ademar Bogo



[1] Mao Tse-tung. A defensiva estratégica. T.1. Pequim: Edições do Povo, 1975.

domingo, 7 de janeiro de 2024

O INTERNACIONALISMO REVOLUCIONÁRIO


            Apesar de todas as constatações das crises e decadências do capitalismo, o tempo em que vivemos não faz das contradições substância inflamável para ferver o sentido beligerante e revolucionário das táticas de luta.

            A pior enfermidade das forças de esquerda, e talvez incurável para essas gerações treinadas a reivindicar direitos dos patrões e do Estado, é repetir os mesmos argumentos sobre as táticas assimiláveis pela classe dominante. Insistir em disputar com as forças mantenedoras do “Estado de Direito”, a mesma ordem estabelecida, confirma a vocação reformista para o ingresso na institucionalidade pura e simples, como se esta fosse a única opção restada.

            Nesse aspecto podemos ilustrar a tentativa de relação oposta com um pensamento político e filosófico de Lenin, expresso em 1905, no artigo escrito por ele com o nome, “A revolução ensina”. “... Não podemos dar-nos por satisfeitos com ver as nossas palavras de ordem táticas correrem atrás dos acontecimentos, adaptando-se a eles depois de ocorridos. Devemos aspirar as diretrizes que nos façam avançar, nos iluminem o caminho, nos elevem acima das circunstanciais tarefas imediatas”.[1]

            Se não podemos estar satisfeitos com as crendices institucionalizadas, as quais, em nome das políticas públicas imediatas prendem e freiam todos os tipos de pressão contra o governo, cujas posições verbalizadas o reconhecem como “nosso”, devemos pelo menos sermos tolerantes, pois, de fato, certas circunstâncias são o que são, não se pode inventá-las; no entanto, o mesmo não ocorre com as forças acomodadas que não abrem mão das táticas adotadas, buscando, “exprimidamente”, passarem pelas frestas dos consensos nacionais e internacionais, alçando-se como pregadores do consenso vantajoso.

            Dirão os mais aguerridos mantenedores da ordem que, “embora o governo seja nosso, ele deve distanciar as suas posições das do partido”. Logo, em nome das relações internacionais conciliadoras tolera-se o genocídio em Gaza sem nenhuma menção à culpabilidade de Israel. De fato, quem tem embaixadas não são os partidos e, por ser política de Estado é preciso antes de tudo “zelar pela diplomacia”. Diante disso devemos alertar os intolerantes que engessam as táticas como se fossem dogmas que, se o candidato à presidência é do partido e se o governo composto com nosso apoio “é nosso”, tendo este de administrar e zelar pelo Estado, que faz, apesar de desenvolver as sagradas políticas públicas, senão colocar-se ao lado e a favor do Estado capitalista? Com tais agarramentos estruturais, não há, como disse Lenin, fazer com que as palavras de ordem não fiquem atrás dos acontecimentos.

            Os paradoxos conjunturais expostos são, decididamente provocantes, pois, enquanto em um ponto do mundo um agrupamento luta subterraneamente contra o imperialismo, em outros lugares preza-se pelas táticas pacíficas, pois, a ilusão com a democracia representativa é tão real que dizer ser ela apenas parte do teatro comandado pelos capitalistas, representa uma grave ofensa.

            A aparência democrática de que nos governos pacifistas “todos ganham”, é a demonstração do real do reconhecimento do domínio do capital imperialista sobre a exploração das nações subservientes. Se ninguém perde, não há como fazer equiparações, porque a análise de imediato elimina qualquer contradição. Se queremos provar o contrário devemos perguntar aos sem-terra, em que estágio estão as desapropriações? O mesmo ocorre com os povos originários que dia a dia vão vendo os seus territórios serem estreitados. Por justiça, o movimento que ficou por 580 dias acampado nas proximidades na sede da Polícia Federal em Curitiba, no Paraná, repetindo, as mesmas palavras de ordem, ao começar o dia com: “Bom dia presidente!” e, à noite: “Boa noite presidente!”, deveria receber em troca, para cada dia acampado, um área desapropriada para fins da realização da reforma agrária. No entanto, ocorre justamente o contrário. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – IMPE – revelou que no ano de 2023, o desmatamento no Cerrado nordestino, o segundo maior bioma do Brasil, cresceu 43%, sendo dados só do primeiro ano do governo Lula. Isso revela o avanço do agronegócio, financiado pelo mesmo governo que mantém paralisadas as desapropriações de latifúndios.

            Por essas razões todas e, por falta de aspirações diferenciadas é que muitos analistas e dirigentes defende o “refluxo” das forças sociais e a impossibilidade de recriar as palavras de ordem para ultrapassar esse período prolongado de passividade revolucionária. Lembremos que, após a morte de Ernesto Che Guevara, em 9 de outubro de 1967, a tática de guerrilhas passou a ser questionada e descartada juntamente com a luta armada desenvolvida pelos grupos rebelados contra as ditaduras militares. Posteriormente, pelo avanço das tecnologias, melhoramento da espionagem e qualificação das forças de repressão, os argumentos voltaram-se contra qualquer tipo de tentativa de insurreição. A maior lição de que o imperialismo é frágil e todas as tecnologias bélicas falham diante da capacidade criativa, é dada agora pelo HAMAS em defesa da criação do Estado palestino e, embora, resista há meses, em termos de reconhecimento, por parte das forças políticas e partidárias da preciosa inovação das táticas de enfrentamento é zero ou ainda pior quando repetem as palavras da grande mídia, taxando aqueles lutadores de “terroristas”.

            Se “A revolução ensina”, como disse Lenin, não precisa que ela ocorra debaixo dos seus pés, importa reconhecê-la como fundamental em qualquer parte do mundo; foi o que sempre nos ensinaram os criadores do princípio do “Internacionalismo proletário”. Lembremos que a derrota dos Estados Unidos da América no Vietnã no século passado, deveu-se à capacidade inovadora das táticas de guerra do povo vietnamita, mas também da pressão e protestos espalhados pelo mundo.

            Que o ano de 2024 nos inspire a criar novas palavras de ordem, para que elas se antecipem aos fatos e nos ajudem a formular novas táticas de lutas locais e internacionais. A derrota do imperialismo dar-se-á quando conseguirmos unir as lutas de todos os povos do mundo contra os mesmos inimigos da humanidade.

                                                                       Ademar Bogo



[1] LENIN. V.i. Partido revolucionário de novo tipo. A importância mundial do bolchevismo. Lisboa: Edições Avante, 1975.p. 110