quinta-feira, 19 de maio de 2016

COERÊNCIA E POPULARIDADE



                             
            Dois princípios importantes fundamentam a tradição revolucionária, mas estiveram em decadência nas últimas décadas no Brasil: a coerência e a popularidade.
            É licito pensar que, por não sermos perfeitos, em certas ocasiões podemos resvalar e até cometer desvios no conteúdo dos princípios, deformando-os, com a intenção de torná-los ainda mais fortes. Mas, trair-se, é pior do que equivocar-se. É verdade que as iniciativas equivocadas chocam o indivíduo que se trai, mas provocam estragos ainda piores nas multidões que estiveram a favor da promessa equivocada. Podemos recorrer ao provérbio de que, “só erra quem faz”, mas, errar fatalmente, é como comer sabendo que a comida pode estar envenenada.
            Coerência com a história, para os revolucionários, nada mais é do que assegurar com responsabilidade a experiência histórica da classe e das lutas populares. Por que isto é fundamental? Pelo simples fato que, ninguém consegue liderar processo algum de transformação, sem conseguir colocar em movimento e a favor, a maioria da população. Ou seja, não basta que as opiniões sejam favoráveis, é necessário que as opiniões sejam ancoradas pelo movimento que realiza ações a favor das mudanças.
            A questão a ser respondida é como ser coerente e manter a popularidade sem cair no desvio do populismo, que obscurece o senso crítico e impede a formação da consciência de classe?
            Temos como referência a velha ideia do projeto político. De forma simples, (correndo o risco de transformar a política em um mero formato estruturado), a obra revolucionária é semelhante a qualquer edifício em construção. Na medida em que se tem o projeto, têm-se as atividades a serem realizadas com prazos determinados.
            Na medida em que se omite o projeto, ou se tenta construir um processo novo entre as velhas paredes da construção anterior, evidenciando que as tarefas e funções não são para a maioria, um número muito pequeno de privilegiados, acha que foi escolhido para levar adiante o imprevisível. Correm o risco de que, no êxito, criam ilusões de que todos compreendem o que está sendo feito; no fracasso, são abandonados nas ruas, nas cadeias e nas próprias manifestações, pelos mesmos espectadores que antes aplaudiam o que entendiam como correto. Os avanços revertidos, então, transformam-se em profundos retrocessos e a bajulação converte-se em frustração.
            O que tudo isto tem a ver com o impedimento da presidente Dilma? Tudo. Neste último governo, a incoerência sozinha engoliu a popularidade e facilitou à pequena burguesia e seus descendentes, articulados por outras forças internas e externas, a ocuparem as ruas e darem a base de sustentação para um congresso de maioria delinquente, engendrarem  com  provas invalidas, um golpe, que só tem valor jurídico, porque a popularidade da presidente goza de baixa reputação.
            É vergonhoso? É. Mas a critica não pode ater-se à acusação dos golpistas que acertaram na tática! As forças atacadas que erraram na estratégia, utilizando táticas equivocadas é que devem fazer a autocrítica. Não para se penitenciar, elogiar ou xingar, mas para reagir e lutar.
            Portanto, não foi a história que chegou ao fim, mas o caminho que chegou ao precipício. Insistir em bandeiras como: Fora Temer! Eleições gerais já! Reforma Política etc., sem colocar as bases corretas da estratégia de superação do modo de produção, não iremos além do que já experimentamos e seguiremos sendo governados por golpistas, bandidos e ladrões.
            É o projeto, mais do que os indivíduos, que deve gozar de respeito e popularidade! Assim, se o projeto coerente for interrompido, a sua popularidade ficará em alta e pode retornar ainda com maior vigor. Quando o projeto sequer é lembrado, os indivíduos golpeados ficam sem defesa. O resultado então é o fracasso e, os frágeis pedidos de volta, jamais se convertem em revolta.
            Já é hora de retomar o caminho da coerência perdida, para fazer, com o projeto coerente e consciente, as bases da popularidade, que exaltam a obra edificada, pela maioria organizada em forma de coletividade.                                                                                     Ademar Bogo