sexta-feira, 23 de setembro de 2016

CAUSA DE CAUSAS COM MUITOS EFEITOS




            No estudo da filosofia contemporânea nos acostumamos a compreender a leis e as categorias dialéticas polarizadas ou mais propriamente colocadas lado a lado. Isso nos ajuda a verificar que fique evidente o que é e o seu oposto, ou o que é e suas consequências. Essa maneira de pensar superou de uma vez por todas a visão idealista e metafísica de Aristóteles, que via as categorias individualizadas, colocadas como os degraus de uma escada, para se chegar ao final da análise com o completo entendimento da substância estudada.
            O domínio do entendimento dialético, no entanto, não impede que, na atualidade, ao verificarmos como funciona o real concreto, utilizemos o método metafísico, como faziam e fazem os idealistas que vêem as coisas isoladas umas das outras. Daí é que precisamos atentar para o descuido de imaginar que existe uma causa para um efeito apenas,
            Visto dessa maneira, compreendemos até com certa profundidade os fenômenos sociais e políticos, no entanto, o resultado é a apropriação de um pedaço daquilo que funciona como um inteiro em que tudo está relacionado. Sendo assim, uma causa pode produzir muitos efeitos benéficos ou maléficos.
            Tomemos como efeitos maléficos a causa do golpe político e jurídico praticado mansamente pelos poderes, legislativo e judiciário brasileiro aprovando o impedimento da presidente da república. É verdade que a causa do golpe teve outras causas, dentre elas a ingenuidade das forças populares de acharem que o Estado e o governo que o representa, desconhece as impressões digitais da classe dominante e o capital. Seria o mesmo que o motorista do veículo do burguês, por dirigir uniformizado, imaginasse, por um instante, que aquele carro blindado lhe pertencesse. O que interessa são os efeitos múltiplos que o golpe proporciona.
            Então, cada reforma é um efeito da causa tão justificada para o mal. Comecemos observando a reforma da educação para o ensino fundamental, que iniciou com o disfarce de “escola sem partido”, que pretendia calar os professores de exporem as criticas contra os alienadores das consciências. Enquanto fustigávamos o debate, eles mesmos se deram conta que uma “escola sem partido”, dificulta o próprio trabalho das bocas conservadoras, mais eficiente era atacar as disciplinas que permitem falar criticamente: Filosofia, Sociologia, História e Geografia, tornando-as disciplinas opcionais nas escolas públicas.
            Essa forma do aluno escolher as disciplinas, menos “aquelas”, quer reduzir o ensino médio a um ensino técnico de baixa qualidade, para que os filhos do velho proletariado e das massas populares saibam um pouco de português, matemática e inglês para serem úteis ao mercado, preparando-se para serem vendidos como mercadorias.
            Essa reforma é um primeiro efeito da causa golpista, logo virão os efeitos da reforma trabalhista, da previdência, da política, tributária etc., que se somarão com as velhas utopias neoliberais de privatizar tudo aquilo que interessa ao capital, seja uma estrada, um aeroporto, um porto, um poço de petróleo, um objeto qualquer que tenha cheiro de pertença nacional.
            São, no entanto, efeitos cheios de defeitos, que na ansiedade de enfrentá-los, as forças populares se movem com causas que não atacam o principal. “Fora Temer” e “Diretas já”, até podem atrasar algumas medidas, mas não são causas para deter essa ofensiva, que iniciou na década de 1990, parou por algum tempo e volta agora com muito mais vigor. É preciso lutar, e enfrentar o touro “sem temer”, mas enraizar os pés na causa da transição, que supera todos os efeitos do mal, e edifica os efeitos bons. Só a causa socialista pode superar a decadência capitalista. Não adianta fugir, uma causa traz muitos efeitos, mas ela sempre é causa de outra causa.  
                                                                      Ademar Bogo, filósofo, escritor e agricultor.