domingo, 30 de outubro de 2016

VÁRIOS CAMINHOS, UM SÓ ENDEREÇO



            Há quem coloque o Brasil frente aos demais países da América Latina, como sendo um “gigante” diante dos minúsculos países vizinhos, que falam outra língua e pouco têm a oferecer em termos de alianças políticas, comerciais ou culturais. Esquecem os que assim pensam que, o gigantismo, as diferenças de origens étnicas, línguas e potenciais econômicos, não evitam a submissão ao mesmo império dos Estados Unidos da América.
            Quem quiser fazer apanhados históricos reunirá períodos favoráveis e contra o império. Podemos citar como exemplo positivo as independências que, entre 1810 até 1824 praticamente todos os países as realizaram e que tal façanha nunca mais se repetiu. Mais adiante, após a Segunda Guerra Mundial, tivemos, negativamente, a onda dos golpes militares, iniciando pela Guatemala em 1954. No mesmo ano, houve a tentativa de golpe no Brasil; não se efetivou, devido ao suicídio do presidente Getúlio Vargas, retardando o mesmo para o ano de 1964. Daí, em diante, vários outros golpes foram encadeados por todo o continente.
            Passada a onda dos golpes militares tivemos, as “aberturas democráticas” manejadas dentro da ordem. Uma quantidade significativa de países experimentaram, pelas disputas eleitorais, diversas conquistas governamentais. Por fim, estamos diante de uma nova onda, que são os golpes institucionais, efetuados mansamente pelos parlamentos em harmonia com o poder judiciário contra o poder executivo em cada país.
            Nesse sentido, do ponto de vista das forças políticas e revolucionárias, temos três resultados a considerar. Primeiramente, os processos que foram aniquilados. Podemos citar como exemplo, o Chile e a sua tentativa socialista em 1973. A Guatemala, da mesma forma, com o ataque contra o Comitê de Unidad Campesina – CUC. No Peru, a violência foi contra o MRTA – Movimento revolucionário Túpac Amaru e também ali foi dizimado o Movimento, popularmente conhecido, como Sendero Luminoso. No Uruguai, o extermínio do Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros. Assim podemos seguir citando, a Bolívia, o Brasil a Argentina etc.
            Em segundo lugar, destacamos os processos transformados por dentro da institucionalidade, desde os mais radicais, como a Nicarágua, Venezuela, Bolívia e Equador, até os menos radicais, como o Brasil, a Argentina e o Paraguai, que inseriram-se nas disputas eleitorais e transfiguraram o movimento em favor da ordem. E, em terceiro lugar, temos os processos ainda em andamento, combatidos, mas também controlados pelo império, como é o caso dos Zapatistas no México e as organizações guerrilheiras na Colômbia.
            Para quem procura uma alternativa para sair da situação de descenso das lutas revolucionárias, é importante considerar, que experimentamos três diferentes caminhos e continuam existindo: a) Contra os capitalistas e o Estado. São as lutas revolucionárias em geral e ainda presentes nas guerrilhas colombianas e  mexicanas. b) Contra os capitalistas, mas a favor do Estado. Podemos citar os países da Venezuela, Bolívia e Equador e, c) A favor dos capitalistas e a favor do Estado. Aparece com evidência o Brasil com a transmutação petista, o Uruguai, Paraguai e outros que escolheram a via da conciliação; esta, em franca derrota.
Se os três caminhos citados acima não lograram triunfar e derrotar o imperialismo, não significa que nada ensinam ou que não possam, em parte, serem novamente utilizados. Demonstram que isoladamente e sem decisão para a ruptura com a ordem capitalista e com o Estado, tendo em frente diversas rupturas para tornar a revolução permanente, é impossível avançar.
Os ensinamentos de Simon Bolívar e Ernesto Che Guevara, de formarmos uma só pátria continental, são atuais e é preciso retomá-los e praticá-los. É preciso decidir-se e colocar como ponto de união entre os povos, a transição para o socialismo. Daí, incentivar que, em cada lugar, cada força encontre a forma correta e adequada de combate, para chegarmos à mesma reunião, marcada para o mesmo endereço: o socialismo.
Ademar Bogo. Filósofo, escritor e agricultor. Autor do livro: Organização política e política de quadros.  

domingo, 23 de outubro de 2016

UM PARTIDO ÚNICO PARA UM ÚNICO FIM



             Há quem faça política sem se preocupar com as contradições; supre essa deficiência orientando-se pela oposição entre dois polos: positivo e negativo, direito e esquerdo, situação e oposição etc. Satisfaz-se com o uso do método metafísico que não deixa ver as reais contradições. Há, por outro lado, quem ainda se preocupe em compreender as leis que formam os fenômenos; que estruturam a economia e movimentam a dialética.
            Ninguém explicou melhor a dialética do que o filósofo Hegel (1770-1831). Se não aplicou socialmente a descoberta, não vem ao caso, seus discípulos, Marx e Engels o fizeram. Hegel descobriu que a dialética é o movimento das contradições que revela o “outro” existente dentro do sujeito, fazendo surgir novas revelações. Daí dizer que gordo e magro são dialéticos, é um equívoco, isto porque, são dois corpos, dois sujeitos completos em si mesmos. Nesse sentido, somente se pode verificar o movimento dialético tomando o gordo e o magro em separados e verificar o movimento interno do aumento ou diminuição da gordura. Da mesma forma podemos verificar por outro exemplo: se a água ferve a 100 graus centígrados, o movimento dialético está em que ela parte da temperatura ambiente e vai ficando cada vez mais quente até o máximo que, se deixarmos, ela se torna vapor.
            Por outro lado, se a água aquece, ela também pode desaquecer e o movimento dialético que revela o “outro” menos aquecido, assume o predicado de menos quente até chegar à temperatura ambiente. Daí, podemos considerar o frio como o outro sujeito, que começa com a temperatura ambiente e vai descendo gradualmente até virar gelo. Um corpo então, em si mesmo, constitui uma totalidade e é dentro dele que se movimentam as contradições. Visto dessa maneira podemos tomar um partido, um Estado, uma sociedade e verificarmos o movimento dialético que ocorre, revelando o “outro” que há na essência de cada um.
            Nesse sentido, ninguém tem dúvidas que o PT deixou de ser a referência de partido organizador popular, formador de militantes, autoridade na ética política e ampliador das políticas sociais. Já não é mais aquela água fervendo. Não é porque, quando chegou ao ponto máximo, ao invés de evaporar tornando-se o “outro” inovado, livrando-se da burguesia e do Estado, desaqueceu e, se tiver sorte, figurará no cenário da temperatura ambiente como os demais partidos.
Por que se tiver sorte? Porque a burguesia empurra a temperatura para baixo para que o PT esfrie e congele. Deveria se dar conta que além de destruir a história, fomenta a antipolítica e esconde que  o Estado e a sociedade são totalidades perigosas sem um partido coerente, ético e revolucionário. Logo, se para as forças mais à esquerda a desmoralização do PT é ruim, para as forças mais à direita também não é bom e, para a sociedade despolitizada e sem perspectivas, será muito pior, porque a política da direita é promotora da barbárie.
Isto não é novidade nenhuma. Todos nós conhecemos a teoria do Estado de natureza, no qual, Thomas Hobbes disse que “havia uma guerra de todos contra todos” que, para pôr fim, precisou se fazer um contrato. Mais recentemente, com o fim do bloco socialista, tivemos o espectro das reações da “primavera árabe”; depois a formação do “Estado Islâmico”; o surgimento dos grupos paramilitares na Líbia, e, agora, a situação da Síria. Ou seja, se o PT na sua trajetória foi se revelando cada vez menos esquerda e, a direita, interrompendo a governabilidade do PT, pensa ser ainda mais direita, sem ter uma força organizada e politizada que puxe o movimento dialético para o lado contrário, ninguém sabe o que pode ocorrer. Rosa Luxemburgo previra: o socialismo ou a barbárie. Sem esquerda dá a barbárie.
            Por amor à humanidade é urgente retomar a organização política partidária unificada no mundo todo. Vale, mais do que nunca, o chamado de Marx e Engels: "Proletários de todo mundo, uni-vos!". As lutas espontâneas não conseguirão fazer frente à barbárie capitalista. Chegou o tempo da esquerda enquanto parte consciente da sociedade, ser mais esquerda, criando um partido único para um único fim e, evoluir para alcançar a transição socialista. Não há tempo para as divergências, o que há é um caminho a fazer.
                        Ademar Bogo. Filósofo, escritor e agricultor. Autor do livro: Identidade e luta de classes.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

LEGALIDADE E ILEGALIDADE



           As palavras, legalidade e ilegalidade ao serem pronunciadas nos tempos atuais, soam um tanto desconectadas da realidade, como também soam desconectadas as palavras, direita e esquerda, principalmente após esta última ter chegado ao comando do governo federal. Mesmo assim, deveriam suscitar discussões, mas poucas paixões despertam.
            Lukács, o filósofo da “História da consciência de classe”, fez uma afirmação que pode ter validade atualizada; disse que, “não há nenhum partido, por mais oportunista que seja, até mesmo o partido da traição social, que não possa ser empurrado para a ilegalidade”. Esta forma de ver a história mostra que a presença de uma força política na legalidade, não importa a sua profissão de Fé, pode ser passageira; isto porque, o fio que a separa da ilegalidade é quase que invisível e, o que ontem foi amanhã já não será mais.
            Seguindo o mesmo raciocínio, é de Engels a frase que, “a ironia da história universal põe tudo de cabeça para baixo”. Estar de cabeça para baixo é ver as coisas pelo ângulo inverso, com certo privilégio, de ver de baixo para cima. Na Alemanha, os “revolucionários”, ou “subversivos”, prosperavam mais com os meios legais do que com os ilegais, por que os partidos da ordem se afundavam com a legalidade que eles mesmos haviam aprovado.
            Para quem não é acostumado a longas leituras sobre a história, se fizer revisões das experiências feitas, chega ao mesmo resultado. De acordo com o raciocínio acima, um período pode ser legal ou ilegal, depende apenas com que objetivo foi produzido. Daí é que, para falarmos em democracia, antes precisamos analisar as relações que produzem a legalidade e a ilegalidade, para daí chegarmos ao ponto onde a ingenuidade se desvanece.
            A classe dominante, e é bom que não se esqueça que ela continua existindo, mesmo quando parece desaparecida, maneja a legalidade e a ilegalidade de acordo com as suas conveniências. Quando não tem muita pressa, manobra e paga para que os atos ilegais se tornem atos legais; quando tem pressa, aplica golpes de Estado e aprova a ilegalidade com votações combinadas em jantares.
            Para os trabalhadores o que é pior, andar na legalidade ou provocar a ilegalidade para subverter a ordem estabelecida? É evidente que, se nos dois sentidos trafega a classe dominante, a ela cabe a sinalização de onde ambas começam e terminam. Não cabe aos trabalhadores dizerem quando as atitudes legais se tornam atos ilegais. É a classe dominante quem determina quando deve ou não romper com a legalidade impondo outra ordem.
            Para os trabalhadores, o mais alto grau de ilegalidade, na ótica burguesa, não é legal nem ilegal, é apenas luta por direitos sociais e pela revolução. Quem quebra a legalidade é a classe cuja ordem estabelecida pertence. Daí tinha razão Engels quando disse: “E se nós não formos loucos a ponto de lhes fazermos o favor de nos deixarmos arrastar para a luta de rua, não lhes restará outra saída senão serem eles próprios a romper essa legalidade tão fatal”. Por que? Naquelas circunstâncias, a simples disputa eleitoral que fazia os revolucionários ficarem sempre mais fortes, havia se tornado um incômodo insustentável para a classe dominante.
            Aqui, o simples fato do governo Dilma ter fortalecido as políticas públicas e ampliado as funções do Estado, que deveria voltar a ser neoliberal, por isso nada tinha de subversivo nem de ilegal; foi o suficiente para darem um golpe. Daí a lição, para aqueles que acreditam que às disputas com a classe dominante devem ser feitas nos marcos da legalidade, como por exemplo, investir todos os esforços na realização de uma Assembleia Constituinte ou na reforma política, sem pensar em derrotar definitivamente a classe dominante que, em qualquer situação, sempre impõe os seus interesses na legalidade ou pela ilegalidade, tanto faz, afinal são os dois lados da mesma moeda que circula no capitalismo: do lado que cair, tem o mesmo valor.
                      Ademar Bogo, filósofo, escritor e agricultor. Autor do livro: Organização política e política de quadros.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

A REPÚBLICA DO CACHORRO LOUCO



             
            Apesar dos sintomas da loucura terem se manifestado logo após as eleições presidenciais de 2014, com salivação demasiada, agressividade e mudança de comportamento, a demonstração do agravamento dessa patologia veio à tona, em 2016, no final de agosto, tido como o mês do cachorro louco. Logo, se já tivemos no Brasil a “república velha” e a “nova república”, com o golpe de 31 de agosto, iniciou-se a “república do cachorro louco”.
            A raiva canina expressa no impedimento que vitimou a presidenta da república, se deu pelo encurralamento dela contra o muro da baixa popularidade. Com poucas pessoas na rua para defendê-la, foi atacada por uma matilha interesseira, que a acusou de ter endividado o Estado gastando milhões de reais sem a autorização do Congresso. No entanto, após o golpe, os rosnentos, ampliaram as dívidas aprovando o endividamento ainda maior e, aquilo que era crime da presidenta deposta, rapidamente virou, uma grande virtude de 170 bilhões de reais.
Mas o animal salivando continua solto e com vontade de abocanhar as nádegas desavisadas. O método utilizado para acelerar esta ofensiva, chama-se PEC. Cada uma é um dente afiado que penetra nas profundezas do pré-sal, privatizando-o, como também fere a dignidade social com as restrições dos gastos em saúde, educação e infraestrutura. Por sua vez, os raivosos, com a língua salivante, lambem os credores da dívida pública e, com as unhas, reúnem os ossos músculos da previdência e dos demais direitos sociais, para alimentarem os componentes dos três poderes que, diga-se de passagem, nunca estiveram tão alinhados.
Por outro lado, as mordias salivosas não ocorrem sem latidos. Os “melhores amigos do homem” aprenderam a caçar distraindo a caça. Apontam para um lado e, quando todos para lá dirigem as atenções, atacam por outras trilhas. Veja o que ocorreu com a “escola sem partido”. Esses latidos já vinham sendo lançados aqui e acolá nas mobilizações que sustentaram o golpe. “Menos Paulo Freire, mais educação”, diziam. Quando nos preparamos para enfrentar a “lei da mordaça”, eles, com uma só mordida, por meio de uma Medida Provisória, saborearam as disciplinas de filosofia, sociologia, história, geografia, arte e educação física.
            Para as gerações desinteressadas da política ou que não tiveram pesadelos repressivos, pois, nasceram sob a proteção do estatuto da Criança e do Adolescente aprovado em 1990, nos primórdios do neoliberalismo brasileiro, é importante compreenderem que, em um golpe de estado, todos sabem como começa, mas ninguém sabe como ele continua.
            Nesta selva política, visualizamos três movimentos interligados: o primeiro, é que os bichos estão soltos e correm por todos os lados; o segundo, é que eles atacam funcionários, públicos, estudantes, aposentados, pessoas pobres ou aqueles que usam a cor vermelha e, o terceiro, é que, através da mídia, gostam de mostrar as suas vinganças para humilhar as vítimas.
            A lição é para ser apreendida: em questões políticas e sociais, as derrotas nunca são individuais. Em qualquer intensidade, elas afetam as coletividades e colocam impedimentos democráticos em todos os sentidos, pois, a reforma da constituição vai ocorrendo sem discussão e participação popular. Se a raiz da palavra pecado é PEC, com o consenso que criaram no planalto central, pecarão deslavadamente.
            A “república da loucura” pode ter curta duração, mas deixará deformações em todos os lugares, setores e direitos. E nós que reclamamos que o governo cordato que saiu não foi bom, teremos ainda razão, mas adianta o que? É hora de acordar as multidões, somente unidos e organizados estaremos seguros e imunizados, na “república do cachorro louco”.

                                                                       Ademar Bogo, filósofo, escritor e agricultor.