domingo, 11 de dezembro de 2016

VERDADES HISTÓRICAS



 Para algo ser verdadeiro, a aletheia ou verdade, desde a Antiga Grécia precisa ser revelada. Ou seja, precisa tirar da ocultação desocultando o ocultado. Simplificando, é trazer para o mundo da evidência aquilo que está escondido para mostrar como realmente é.
Cada geração vive em cada tempo as suas desocultações. Há verdades reveladas e estagnadas; há verdades ainda por serem conhecidas e outras que ainda não estão totalmente formadas que precisam de tempo para crescer e se fazerem conhecer. Dessa forma, há verdades que demoram a vir à tona e, muitas delas, tardiamente podem ser explicadas ou ignoradas e ultrapassadas sem serem conhecidas.
            Na filosofia, Marx e Engels, possuem várias dessas verdades decifradas que são frequentemente obscurecidas, mas também reabertas. Dentre elas temos a que diz que, “a classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos aos quais faltam os meios da produção espiritual”.
            Temos duas verdades reveladas neste pensamento. A primeira corresponde à classe dominante burguesa, proprietária dos meios de produção de mercadorias. A segunda, origina-se do pensamento de Hegel, que se refere a três espíritos: objetivo, subjetivo e absoluto, correspondendo os dois últimos à consciência humana e às ideias que pensam outras ideias, mediadas aí pelos indivíduos, o Estado e também as divindades.
            Marx e Engels, vão do concreto ao abstrato. Simplificando, poderiam ter dito eles que o trabalhador não é dono dos meios de produção de mercadorias, como também não é dono de escola, jornal, igreja, etc. Logo, se os trabalhadores produzem com os meios alheios, estão submetidos às ordens, os pensamentos e as orientações espirituais dos proprietários.
            O que temos de importante nessa verdade, constantemente atualizada? Temos que, se a classe é a mesma, os meios de produção, materiais e espirituais ou intelectuais, embora aparentem estarem dissociados, estão muito bem articulados. Daí a facilidade de entendermos a relação que há entre o golpe de agosto de 1916 e a mídia; a PEC 55 e a reforma da educação, a reforma da previdência, a reforma política, os crimes evidenciados na operação “lava jato” e todas as conspirações nos podres da República.
            A verdade absoluta é que, as instituições públicas sempre funcionaram como mediações para favorecerem indivíduos e interesses privados. É da natureza do próprio Estado, pela sua forma de poder político centralizado, ser o sustentador da ordem no capitalismo. Nesse sentido, se o Estado, mais propriamente os três poderes da República atuam para favorecer a ordem, não podem desarrumar as diferenças existente entre as classes.
            Há os que enganam e ao enganar enganam-se a si próprios, que se pode dar jeito no capitalismo subindo pelos degraus da institucionalidade. Quando se dão conta percebem que foram envolvidos em tramas, que a dor causada tem a mesma proporção do prazer sentido.  
            É hora de perceber que a crise do capitalismo é também a crise do modelo de Estado, cujos poderes, executivo, legislativo e judiciário, já não podem ser democráticos nem tolerantes. A luta pela superação do modo de produção é também a luta pela superação do Estado. Tentar assumi-lo para moralizá-lo é propor-se a resolver a crise do capitalismo para os capitalistas, punindo e explorando ainda mais os trabalhadores. Daí que, avançar um passo em uma década, para retroceder dois na outra, não é uma boa proposta para nenhuma geração.
                                                                                  Ademar Bogo. Filósofo, escritor e agricultor.

domingo, 4 de dezembro de 2016

GRANDE E PEQUENA POLÍTICA



Antônio Gramsci foi um dos mais astutos pensadores do século XX. A grandeza de seu pensamento está em recolocar de uma nova forma, as velhas questões ainda por serem resolvidas. Em matéria de conceituação política, foi muito além do conteúdo dado por Aristóteles, que via a mesma como a boa administração da casa ou da cidade.
Gramsci, a exemplo de Aristóteles, dividiu a política em duas formas: grande e pequena. A grande política está vinculada às estruturas gerais da sociedade que serve para administrá-la, cuidá-la e transformá-la. A pequena política refere-se às coisas mais restritas, às polêmicas internas de gerenciamento estreito, em vista dos limites que os interesses estabelecem. Compreendemos que isto pode ocorrer com o Estado em si, como também com os partidos políticos favoráveis à ordem estabelecida, movimentos sociais e sindicais, quando não conseguem reverter, com suas táticas, a situação de desgaste em que se encontram.
No Brasil, a pequena política é esta que exala da podridão do sistema político, formado por velhos políticos com velhas práticas que afirmam apenas o lado contrário do que deveria ser feito. A pequena política é feita de táticas esgotadas e discussões rebaixadas que tendem a forçar os olhos a não verem mais além do que a ponta dos pés. É, em linhas gerais, a capacidade de tomar medidas que salvem apenas a própria pele ou os próprios interesses.
Para as forças de esquerda, um pouco mais que isto é, acomodar-se e ficar refém da agenda da ordem e das forças de direita. Neste caso, as forças de direita utilizam-se das reformas como chamativo para atrair as atenções, enquanto equilibram as forças para uma dominação mais longa, que, não conseguem estruturar, tendo em vista que as crises do capitalismo são cíclicas e por isso sempre voltam ao mesmo lugar.
A tentativa de controlar os gastos, congelando-os por 20 anos, é uma demonstração da incapacidade de controlar as crises, querem agora salvar o Estado caduco que precisa sempre mais de dinheiro para sobreviver. Neste sentido, o Projeto de Emenda Constitucional – PEC 55 – aprovada no senado da república, é apenas uma carta de intenções ou os fundamentos de um plano maior que há de vir. A PEC 55, abre o  caminho para a aprovação imediata das reformas trabalhista e da previdência e autoriza cortar gastos da educação, do atendimento à saúde e demais gastos que garantam o bem estar social.
No entanto, com ou sem a PEC, o problema está no modo de produção capitalista e no poder político estatal centralizado, que só as forças de esquerda podem solucionar se atacarem com ideias e propostas que representem a grande política fundamentada no processo de transição socialista.
Quando ainda no seio do feudalismo surgiu a classe burguesa proprietária dos meios de produção, das mercadorias, do dinheiro e do capital, iniciava-se ali a formação da força responsável pelo capitalismo. Por isso, a burguesia não criou apenas novas relações de produção e requintou o mercado, mas, também, passou a comprar a força de trabalho como uma simples mercadoria e com isso criou a classe operária. Portanto, cabe à burguesia e não aos trabalhadores o papel de solucionar as crises e sustentar o Estado. Aos trabalhadores cabe a responsabilidade de superar os dois e extinguir a classe dominante.
Para este momento, em termos de pequena política, a burguesia está na ofensiva e, os trabalhadores desmobilizados, estão na defensiva. Por isso, se continuarmos reféns da agenda burguesa, as respostas estarão à altura das reformas propostas, para não deixá-las acontecer; mas isto nos deixa ainda na esfera da pequena política, porque, em caso de derrota, estaremos arrasados, e, em caso de vitória, ficaremos no mesmo lugar de sempre.
A grande política surgirá quando conseguirmos elevar os olhares para além dos marcos colocados pela classe dominante e, mesmo que usarmos as táticas da pequena política, momentaneamente, os objetivos deverão nos mostrar que o salto deverá ser maior. A grande política exigirá mudanças estruturais e, para isso, é preciso sair da defensiva. As ocupações das escolas já deram um indicativo de resistência, mas a falta de articulação e disposição de atrair a sociedade, levou à asfixia do próprio movimento.
A grande política exigirá grandes iniciativas que apresentem formas novas de agitação, de mobilização e de organização. Elas estão aparecendo, é preciso inteligência e astúcia para agarrá-las e levadas em frente.
                                                                              Ademar Bogo. Filósofo, escritor e agricultor.