domingo, 10 de setembro de 2017

AS PERNAS PODRES DA REPÚBLICA



                        
            Se a República brasileira fosse comparada a uma pessoa, teria órgãos, membros, nome e identidade. Poderíamos dizer então, que ela anda sustentada por duas pernas: a do capital e a perna do Estado. Do lado do capital, aquilo que o mantém em pé, é a especulação, garantida pelas altas taxas de juros e os subsídios. De outro lado, temos os três poderes, executivo, legislativo e judiciário, com todas as instituições, que compõem o Estado capitalista, sustenta-se através de impostos. Como se fosse uma doença na circulação sanguínea, nenhum dos poderes escapa da corrupção e ao favorecimento a indivíduos, grupos e classe dominante. O poder tornou-se o espaço da articulação de quadrilhas engravatadas, que já não se preocupam em enviar o dinheiro roubado para fora do país, mas o fazem circular em malas e caixas rústicas de papelão, como se nada de importância contivessem.
            O entendimento entre as duas pernas, naturalmente, formam os passos e, ao andar, as contradições são despistadas pelo caminho. Na medida em que uma perna não suporta o peso do corpo para a outra se mover, todos os defeitos lhes são descobertos.
            Mas não é tudo. O capitalismo não é um governo ou um modelo administrativo, é um modo de produção universal que já não tem respostas para os próprios problemas criados por ele, como é o caso das avançadas descobertas na área da tecnologia, que cumpre a função de acelerar a produção, mas que desemprega a força de trabalho e cria indigestão no mercado onde os produtos deixam de ser digeridos.
            As ondas de geração de emprego em massa, geralmente ocorrem em áreas de serviços, mas essas áreas precisam de financiamento público, como é o caso da construção civil, bastante reduzida atualmente; na agricultura ou em atividades educacionais e de assistência à saúde quando uma quantidade de profissionais são contratados por meio de concursos públicos, porque antes houve investimento em infraestrutura. Nenhuma dessas possibilidades está na linha do modelo neoliberal. Essa perna, cheia de feridas foi engessada pelos poderes da República e, para os próximos 20 anos os gastos estão congelados.
            Do ponto de vista da indústria, a perspectiva também não é favorável. A iniciativa assegurada pela globalização levou o capital produtivo para todos os lugares da terra e, ajudado pela tecnologia, saturou o mercado que já não há como fazer circular novos produtos, devido à incapacidade dos próprios consumidores de contraírem novas dívidas. Os dados mostram que 57,1% das famílias brasileiras estão endividadas, sendo que 77,7% delas, a dívida contraída é pelo uso cartão de crédito, que chega a cobrar 468,8% de juros ao ano. Do mesmo modo, cresce a dívida pública que pode chegar este ano a R$ 3.650 trilhões de reais, representando 74% do Produto Interno Bruto – PIB – Isto faz com que o governo gaste em torno de 47% de tudo o que arrecada para pagar os juros, que não são os da caderneta de poupança, de 0,55%, mas de até 1,2% ao mês, passando, portanto, de 15% ao ano.
            Nesta perspectiva não há solução nem para o povo brasileiro, nem para o país, isto porque, o capital continuará se alimentando das altas taxas de juros e o governo empenhará esforços para reduzir os gastos, retirando direitos constitucionais dos trabalhadores por meio das reformas.
            Ao povo brasileiro cabem duas saídas: acomodar-se em meio à situação a espera da reforma política e das eleições de 2018, alimentando a crença de que é pelo voto que se resolvem as contradições estruturais do capitalismo. A outra saída é conscientizar-se de que, sustentados pelas duas pernas carcomidas, o capital e o Estado, não haverá democracia e nem liberdade. A República precisa de novas pernas e de novo fôlego para seguir em frente. Isto não será possível se não democratizarmos o capital e superarmos o Estado atual. É uma tarefa gigantesca, mas bem menor do que todo sacrifício que as gerações futuras terão que fazer se nada fizermos agora. 
                                                                        Ademar Bogo. Filósofo, agricultor e escritor.